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Quadro clínico do transtorno obsessivo-compulsivo.


A caracterização do transtorno baseia-se na ocorrência primária de obsessões e/ou compulsões. Obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, intrusivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios e que causam ansiedade ou mal-estar relevantes ao indivíduo, tomam tempo e interferem negativamente em suas atividades e/ou relacionamentos. Note-se que imagens aversivas e impulsos egodistônicos ameaçadores, em geral agressivos, podem predominar. Já compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos que o indivíduo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rígidas, para reduzir a ansiedade/mal-estar ou prevenir algum evento temido. Assim, enquanto as obsessões causam desconforto emocional, os rituais compulsivos (sempre excessivos, irracionais ou mágicos) tendem a aliviá-lo, mas não são prazerosos. A função de neutralização ou atenuação imediata da ansiedade manteria os sintomas em um ciclo de difícil rompimento3 em que, paradoxalmente, para sentir-se melhor, o indivíduo se escraviza.

Apesar de mais freqüente, nem sempre obsessões e compulsões estão associadas, havendo pacientes puramente obsessivos e, mais raramente, só compulsivos.4-7 No último caso, os rituais (p. ex.: de colecionamento, simetria ou ordenação) são executados para aliviar um mal-estar descrito como ansiedade, sensação de premência, imperfeição ou incompletude, sem uma preocupação ou temor específicos relacionados ao comportamento. As ações são repetidas até que a pessoa se sinta melhor ou considere que aquilo está “certo” ou concluído.

Um aspecto característico é a fácil evocabilidade dos sintomas, havendo infindáveis estímulos externos (sujeira, bactérias, facas) e internos (pensamentos, lembranças) capazes de, por associação, desencadear desconforto. Estes podem se generalizar também pelo plano simbólico (p. ex.: pensamentos sexuais ou agressivos e sujeira).3 O medo é idiossincrático: enquanto um considera “sujo” sangue e tudo que se refere a isso, outros temem contato com urina, gordura, graxa, pó de café, vidro etc. Na maioria dos casos, há múltiplas obsessões e compulsões simultâneas e não sintomas únicos ou pares, e os pacientes mudam de tema ou tipo de sintoma com o passar do tempo. Trata-se em regra de um quadro crônico e freqüentemente de início precoce,6,8 com flutuação na intensidade dos sintomas ao longo do tempo. Enquanto na maior parte dos casos há piora em fases de vida difíceis, alguns relatam atenuação dos sintomas na ocorrência de algum problema sério que exija enfrentamento.2 Não há necessariamente piora progressiva, mas os rituais tendem a ficar mais sedimentados com o tempo. Ressalte-se que a gravidade é bastante variável, havendo desde casos leves até aqueles extremamente graves e incapacitantes.

Tipos de sintomas

O conteúdo dos pensamentos ou das imagens mentais aversivas geralmente se refere a acidentes, doenças ou perda de pessoas queridas. As obsessões de contaminação (Aids, sujeira, radioatividade) são conhecidas, e as somáticas (preocupações com outras doenças, com a aparência física) podem apresentar pior nível de crítica.7 As obsessões agressivas apresentam-se geralmente como “fobias de impulsos”: medo de ferir, matar ou prejudicar alguém sem querer, de se matar, fazer algo proibido ou embaraçoso (p. ex.: furtar, xingar, assediar). Muitos evitam manusear facas, tesouras, fósforos, ou quaisquer objetos que considerem perigosos, ou ficar sozinhos, por não confiarem em si mesmos. Mesmo nada de fato ocorrendo, a ameaça persiste e costuma ser muito assustadora, por vezes associada à dúvida sobre ter ou não feito o ato tão temido. Pensamentos obsessivos “neutros” são palavras, sons, músicas intrusivas ou imagens que, pela recorrência, atrapalham e tornam-se aversivos.

As compulsões de verificação podem estar relacionadas a obsessões somáticas (auto-exame) e ao medo de, por imprudência, vir a causar alguma catástrofe. Os rituais de lavagem (de mãos, banhos, objetos), quando intensos, causam até dermatites e problemas de coluna. As compulsões de contagem podem se associar às de repetição e são geralmente mentais (somas e divisões desnecessárias, repetir várias vezes tal ato), e as de simetria são inúmeras: posição de livros, de sapatos ou outros objetos, ordenação de roupas no varal e mesmo simetria em toques ou esbarrões (p. ex.: ter de tocar com a mão direita naquilo que foi tocado com a esquerda ou vice-versa). Já os rituais de colecionamento são menos conhecidos: incapacidade de se desfazer de jornais, notas fiscais antigas, embalagens inúteis, papéis de bala ou objetos encontrados na rua. São considerados rituais “diversos”: sapatear, rezar, perguntar, relembrar, gesticular, tocar, cuspir etc. Como se vê, trata-se de um transtorno extremamente heterogêneo,9 que pode ter incontáveis apresentações; ou seja, em princípio, qualquer comportamento pode ser compulsivo.

Um sintoma raro e menos conhecido é a lentidão obsessiva, em que os pacientes não repetem suas ações, mas demoram horas em tarefas diárias. Na maioria, há indecisão, ruminações e rituais encobertos provavelmente responsáveis pela lentidão. Aparentemente temeriam errar ou causar problemas, por isso a demora excessiva nas ações.1

Os obsessivos vivenciam exageradamente quaisquer riscos. A ansiedade seria mais intensa quando predominasse essa sensação exacerbada de vulnerabilidade ao perigo. No extremo oposto, estariam pacientes com rituais de simetria/ordenação ou lentidão, com predominância da sensação de não-finalização e menos ansiedade. A dúvida patológica consiste na incapacidade de se certificar, por exemplo, de que a porta está trancada, o botijão desligado, a louça bem lavada ou, mais irracional e incompreensivelmente, de que não engoliram cacos de vidro, não são homossexuais, não traíram o cônjuge ou mataram alguém sem perceber. Vale lembrar que o TOC já foi conhecido como “loucura da dúvida”. Na verdade, em muitos casos tal separação é difícil, com os três aspectos muito interligados.

O problema central seria a persistência de “sinais de erro”, que não desapareceriam com o comportamento, mantendo a sensação de dúvida e incompletude. Enquanto o sinal perceptual não coincidir com o referencial interno, as compulsões se repetiriam para tentar reduzir essa diferença, mas em vão, pois o dano estaria no sistema comparador.

A culpa é outro fenômeno importante e constante nas descrições clínicas, considerada a base do sofrimento desses pacientes. Haveria dois subgrupos principais: pacientes mais voltados para um passado de culpa, que temem principalmente a responsabilidade, e outros mais preocupados com o futuro ameaçador, predominando a sensação de fragilidade (mais temores de contaminação e da morte). Enquanto estes se sentem ameaçados, aqueles se consideram uma ameaça para os outros.

Existe uma fusão psicológica entre pensamento e ação: como temem que pensar algo ruim resulte na realização do pensamento, tendem a suprimir a raiva ou sua expressão para evitar “fatalidades”. Os limites entre mundo mental e real estariam de certa forma comprometidos. Tal natureza bizarra do pensamento obsessivo teria dado ao TOC sempre um “status especial” entre os transtornos de ansiedade.

Julgamento Crítico

A maioria dos pacientes apresenta a capacidade crítica preservada e envergonha-se de seus pensamentos e/ou comportamentos, procurando ocultá-los. Muitos, enquanto conseguem, restringem seus rituais a alguns cômodos da casa ou a quando estão sozinhos. Assim, mesmo pessoas bem próximas podem desconhecer a existência do problema. Trata-se, portanto, de uma doença em geral secreta, que pode levar anos até ser diagnosticada e tratada. Por isso, a importância de investigar diretamente na anamnese a ocorrência de obsessões e compulsões que, mesmo assim, podem só ser admitidas pelo paciente quando o vínculo terapêutico estiver fortalecido. Alguns só procuram ajuda em fases de piora (p. ex: incapacitação, medo de perder o autocontrole sobre os impulsos) ou por complicações, como depressão secundária.

Entretanto, há pacientes ambivalentes ao considerar os sintomas absurdos, e alguns até acreditam e temem as conseqüências. Portanto, em casos mais graves ou em fases de agravamento, pode ocorrer prejuízo da crítica, com os sintomas não se apresentando como obsessões típicas, e sim como idéias prevalentes ou até delirantes.

Critérios Diagnósticos 

Há duas categorias de classificação do TOC : uma, junto aos “transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes”, mas separadamente dos transtornos ansiosos e fóbicos, e a outra classifica-o entre os transtornos de ansiedade. Isto já aponta uma controvérsia quanto à importância da ansiedade nesse transtorno, considerado por alguns mais próximo aos transtornos de humor ou de pensamento. 

Conclusões

O TOC é um quadro em geral secreto, que apresenta uma fenomenologia rica e diversificada, com infinitas possibilidades de apresentação, o que pode dificultar sua identificação. Envolve sempre medos descabidos, dúvidas insolúveis e comportamentos repetidos na busca de um alívio sempre fugaz. O grau de crítica pode variar entre os pacientes e no mesmo indivíduo conforme a ocasião. Implica, em geral, grande sofrimento e costuma ser subdiagnosticado e subtratado. 

Por fim, vale ressaltar que mesmo quando as apresentações clínicas são semelhantes, cada paciente reage ao problema conforme o contexto sociofamiliar e suas características de personalidade, aspectos que devem ser sempre considerados no manejo de cada caso particular.

A terapia cognitivo-comportamental, por sua vez, ajuda a identificar e questionar os pensamentos obsessivos e a controlar os comportamentos compulsivos. O objetivo é que o paciente aprenda a controlar seus sintomas e siga sua vida normalmente, de forma autônoma. 

Um médico ou profissional de saúde mental poderá lhe fazer perguntas específicas sobre seus pensamentos, sentimentos, sintomas e padrões de comportamento. O especialista pode, também, querer falar com familiares e amigos próximos, a fim de entender melhor o que se passa.

Tratamentos

A psicoterapia é considerada pelos médicos como uma das formas mais eficientes de tratamento para TOC. As técnicas psicoterápicas consistem em expor a pessoa gradualmente a situações em que, normalmente, ela lançaria mão de obsessões e compulsões para lidar. Esse processo continua até que o paciente consiga aprender maneiras saudáveis de lidar com a própria ansiedade, sem recorrer a essas características.


Certos medicamentos psiquiátricos podem ajudar a controlar as obsessões e compulsões do TOC. Em geral, costuma-se optar primeiramente por antidepressivos. Outras medicações psiquiátricas podem ser usadas também para tratar TOC.

Consulte um psicólogo!

Fonte : Scielo

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