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Síndrome de aletofobia e cultura da repressão.

Que ironia! A razão instrumental ancorada no ideal de progresso do Aufklärung produziu esta realidade sociocultural marcada pela “desorizontalização radical” do senso ético da existência humana em direção ao futuro da História: Para onde estamos caminhando? 

A busca pela verdade das coisas (sua heurística racional) deu ensejo a uma configuração sociocultural de acomodação moral de uma existência humana conformada na “etologia da mentira”. Neste contexto, parece não haver outra coisa a ser feita a não ser celebrar a morte do ético na festa da carne da sociedade do prazer e da mentira: “comamos e bebamos, que amanhã morreremos”. O consumismo na sociedade da mentira reflete o processo de presentificação das possibilidades hedônicas inaugurado na e pela sociedade que matou Deus, a esperança da fé e a possibilidade de viver “na verdade” ancorado pelo suporte traditivo das crenças fundamentais da cristandade.

Qual será o futuro da espiritualidade cristã numa configuração de existência como esta?

Na psicologia da existência da fé cristã não existe a possibilidade de se desenvolver a “síndrome de aletofobia”. Nela a interação dos diferentes não se realiza na base de uma exigência moral neurotizante: “É preciso ser perfeito... É necessário ser bonito pra vingar a interação!”. Pois todos os que vivem nela são aceitos como são, e carecem do “perdão acolhedor do Deus que reconciliou consigo mesmo, em Cristo, todas as coisas”, diz o apóstolo Paulo. Lamentavelmente, o complexo de autorrejeição é a proteína que alimenta a síndrome de aletofobia.

“Na verdade, na verdade, porém, [eu] te digo”, dizia sempre Jesus de Nazaré a todos que, como Nicodemos, se escondiam da verdade para alimentar a psicologia da mentira de uma existência vazia.

Não há cura para o ser humano fora da verdade, assegura a fé cristã. Por esta razão a “aletheia” é compreendida nela como “verdade participativa”. A culpa é o reflexo psicológico da autorrejeição eclodida numa configuração cultural de repressão ética em que impera o mandamento: “sede perfeitos na dinâmica da interação”. A fé cristã, contudo, não comporta o “ideal de perfeição” de uma cultura religiosa que produz deformações tanto na subjetividade quanto na intersubjetividade humanas.

A perfeição moral não é um quesito ético para a admissão psicológica de relação “eu-tu” na fé cristã. A interação sócio-afetiva deve acontecer de modo autêntico nela, e deve ser compreendida como “interação dos imperfeitos”. Isto significa dizer que “viver a verdade” na fé cristã implica ser liberto da tortura psicológica de uma cultura de repressão. Pois foi para viver na “liberdade com responsabilidade” que Cristo nos libertou, diz o apóstolo Paulo.

Texto por : Anderson Clayton, doutor em Teologia e Sociologia.

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