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Ser ou Ter? Eis a questão...

Quando “absorvemos” um diagnóstico e nos tornamos a própria psicopatologia...

Quantas vezes, ao recebermos um diagnóstico médico, já não nos rotulamos como sendo a própria doença? Por exemplo: um dia, na escola, uma criança tem uma crise respiratória e rapidamente é levada ao pronto-socorro, onde lhe é revelado o diagnóstico de asma. A criança, então, após a recuperação, volta a frequentar a escola e revela aos colegas: ”sou asmática!”. Daí por diante, a criança passa a ser vista como a asmática da sala, tanto pelos colegas e como também por ela própria.
Assim também ocorre com pessoas que vivem com determinadas condições de saúde como HIV/AIDS, obesidade, diabetes, enfim... pordiversas patologias que muitas vezes são acrescidas pela palavra “crônica” e, de maneira tão ou mais intensa, com aqueles que possuem um diagnóstico psiquiátrico/psicológico.

A grande questão se volta à tendência que temos em praticar uma comum distorção cognitiva chamada rotulação. O próprio nome diz: distorção refere-se a algo alterado, deformado, torcido e, cognitiva, ao intelecto, à compreensão, ao pensamento. A distorção cognitiva “rotulação” é a tendência em descrever medo ou erros por características estáveis do comportamento ou por rótulos pessoais, como, por exemplo, quando em alguma situação de conflito nos julgamos como sendo “fracos” ao invés de suficientemente assertivos em determinadas situações. 

A mesma coisa pode acontecer quando “ganhamos”, na clínica psicológica/psiquiátrica, o diagnóstico “depressão”, “transtorno bipolar”, “hiperatividade”, “transtorno obsessivo compulsivo”, dentre inúmeros outros e, como se fossemos uma “garrafa pet”, e não seres humanos com tamanha complexidade, pegamos esse “presente”, estampamos em um chamativo rótulo e o pregamos vigorosamente sobre nós. Daí por diante, tornamo-nos o depressivo, a compulsiva, o bipolar, o hiperativo, a histriônica... e ponto! Não teremos mais momentos de diversão por sermos depressivos, seremos incapazes de trabalhar, formular projetos de vida ou estudarmos por sermos bipolares... e assim se segue indefinidamente.

É a partir deste ponto que começamos outro tipo de distorção, a hipergeneralização, em que tendemos a ver um evento negativo como parte de um padrão que se transfere para todas as outras situações de forma contínua e eterna, além de inúmeras outras distorções que vão completando um “mal embrulhado pacote de pensamentos” que, por tamanha inutilidade, faz com que o individuo, cada vez menos, tenha motivação, ânimo e força para melhorar sua qualidade de vida.
É fundamental que possamos refletir acerca da diferença de sermos ou termos alguma coisa. O ser humano exerce inúmeros papéis na sociedade, de pai, mãe, filho, representante de sua religião, amigo, profissional, namorado... Por essa razão é impossível que ele seja reduzido a uma ou duas palavras ou, quem sabe, um ou outro diagnóstico. Da mesma forma, ele é capaz de amar, odiar, desejar, esperar, sonhar, realizar... O fato de possuir determinado diagnóstico psicológico/psiquiátrico jamais poderá fazer com que o indivíduo perca todos os seus papéis e habilidades, transformando-o de “ser” humano a um “ser” patológico.

Somos todos muito mais complexos do que podemos imaginar e possuímos inúmeras capacidades que muitas vezes desconhecemos e que nos tornam hábeis para superar adversidades, como ainda para imaginar, criar e reinventar fatos, coisas, objetos e situações, tornando-nos muito mais felizes do que já somos. Tudo depende da forma pela qual olhamos e interpretamos as situações, a nós mesmos e aos outros.

Cada pessoa é um oceano de habilidades e potencialidades que, se recorridas, podem caminhar conosco rumo a distâncias antes inalcançáveis devido aos nossos antigos auto-conceitos e distorções acerca de nós e do mundo. Muitas situações podem ser verdadeiras barreiras aparentemente impossíveis de serem superadas, cuja relevância parece ser tamanha que não é raro que as confundamos com nossa própria essência. Tais situações, contudo, jamais serão maiores do que nossa identidade como pessoa, como indivíduo que ama, chora, sorri, sofre, perdoa, e que é capaz de criar seu própria identidade, “re-começar” e “re-fazer” o presente para viver, a cada dia, um novo futuro repleto de novos caminhos...

Texto por : Thamy de Morais Miranda
Psicóloga Cognitiva Comportamental

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